18.2.05

Ok, vamos mandando brasa em dois textos supimpas da escritora Lúcia Carvalho

Deliciem-se...














Sexo virtual

Alguém precisa falar disso. De laboratórios médicos e exames.
Bom, se você é mulher é um pouco diferente. Além dos exames básicos, tem mais um monte. Não sei. Pode ser por causa da idade, pode ser porque a medicina agora é diferente. É preventiva. A gente tem que fazer os exames antes de ficar doente.

Vou contar exatamente como tudo aconteceu. Fui no médico, ginecologista. Ele me examinou, sentou e foi preenchendo no receituário dele. Não parava mais. Pensei. Não devo estar bem. Ele me olha, ri. Não é exagero não. É preciso saber como vão as coisas ai dentro.

Peguei as receitas e guardei na bolsa. Fiquei adiando para marcar, seria uma chateação, levaria tempo. Um dia tomei coragem, marquei tudo no laboratório. Uns exames eles faziam na hora, outros eu tinha que "estar agendando", me disse a moça, explicando. Vamos lá. Pra tal exame, jejum de comida de três horas, para o outro, oito horas sem beber água. Para aquele outro, você fica sem urinar por 6 horas. Nesse daqui, nada de sexo por 48 horas. Sem álcool, por três dias para esse aqui. E nada de creme nem óleos de banho na região abdominal no dia deste outro.

Nos dias dos exames, de manhã, eu nem me mexia. Já embaralhara tudo, me esqueci metade das regras, e achei que era melhor não fazer nada, dentro dos limites máximos. Fiquei sem fazer xixi, sem comer, sem beber nada, quase imóvel. Era melhor nem me tocarem, para garantir.

Cheguei lá com a receita na mão. A mocinha me deu um número, me mandou esperar a minha vez. Ia apitar. Piii. A senhora aguarda na sala 2 subindo a escada à esquerda porta vermelha no canto. Já comecei a me atrapalhar. Tudo tem muita instrução, a gente parece barata tonta. Me senti completamente confusa e burra, pedindo para as mocinhas repetirem cada passo a passo. Pois cada exame tem um tal de um passo a passo. Uma hora a gente tira só a parte de cima da roupa, em outro leva um potinho para o banheiro e recolhe só a urina do meio do jato, em mais outro tira toda a roupa, coloca o avental e uma pantufa e espera no vestiário sem nada metálico no corpo, depois entra numa sala e só desce a calça, depois aguarda mais meia hora bebendo água sem parar.

Fui obedecendo e fazendo tudo. Tirando um monte de tubinho de sangue, fazendo xixi no potinho, recebendo as instruções para aquele horroroso exame de f. , que, por mais que eles dêem instruções, a gente nunca sabe como fazer na hora que chega em casa. Uma vez o Mário Prata falou, numa crônica de um livro, o passo a passo dele. Não me lembrava como era, nem qual era o danado do livro, e adiei uma semana para entregar. Também não vou contar mais nada. Não fica bem. Uma moça.

Mas chegou a hora que eu queria contar. Dizem que fazer exame de próstata é horrível. Acredito. Mas exames ginecológicos, juro, é quase a mesma coisa.

Primeiro, aquela mesa. Precisa abrir tanto as pernas da gente? E tão lá no alto? O pior é que o nosso bumbum fica voando, no ar. Não sei se dá para entender a posição, mas que não tem nada embaixo dali, não tem. Nem onde se agarrar, de medo de cair. Daí entra uma mocinha, com um aparelho de plástico que abre e fecha, horroroso na mão e fala para você: a senhora fica bem relaxada.

Relaxada?

Impossível, mocinha. Mas se a senhora ficar relaxada dói menos. Bom, isso quer dizer que dói de qualquer jeito. Dói mais ou dói menos, mas ela sabe que alguma coisa dói. Então relaxar para quê? Fiquei toda retorcida, gemendo. E ainda tive que ouvir da doutora no fim: escuta, toda vez que você faz esse exame é esse escândalo? Saí dali emburrada.

Passei para um outro. Uma máquina apitava sobre mim. Ia me pesquisando. Tinha que ficar imóvel. Parecia que me imprimiam. Ou me passavam por fax. Deve ser a mesma sensação que sente a folha de papel.

Esperei mais um tempo, lendo revista. Veio a moça, berrou meu nome. Senhora, agora as mamas. As mamas o quê? É, inventaram esse nome agora. Sempre ouvi falar que a gente tinha "peito". Mas agora é "mama", e o exame consiste em fazer um belo dum esmagamento do teu peito. Eu, que tenho pouco peito, nunca vi uma coisa igual. Parecia que tinham passado um rolo compressor sobre as minhas "mamas", coitadas. Ficaram enormes, planas. Tão diferentes, que mereciam mesmo um outro nome. E eu em pé, de braços abertos. Numa pose, digamos, bem ridícula. Tenho certeza que as atendentes do laboratório saem de vez em quando da sala para não cair na gargalhada na frente da gente.

Aí veio mais um exame, esse, olha, a coisa mais esquisita de todos. Entrei numa salinha, veio um doutor. Ele primeiro ficou passando geléia na minha barriga, ultra-sonando. Era geladinho. Gostoso. Ele escorregando, aqui e ali, digitando num computador do meu lado. Bem, achei que tinha acabado, ele me deu um papel e me instruiu: limpe o abdômen, vá ao banheiro, esvazie a bexiga e retorne aqui. Voltar? É. Temos (eles têm mania de falar tudo no plural, repara) mais um exame. Interno.

Interno?

Achei esquisito, desconfiei. A mocinha, ajudante dele, me explicou. É um ultra-som lá de dentro, senhora. Lá de dentro? É. De dentro. Teu médico pediu. Bom, voltei do banheiro, esvaziada e intrigada. O doutor sentou, fez uma cara seriíssima, eu olhei para a mocinha ao lado dele. Minha cúmplice. Foi quando ele pegou uma camisinha, e abriu. Juro! Camisinha de verdade! Colocou num... num... numa coisa parecida com aquilo mesmo. Mas igual um mouse, ligada num fio no computador. Com uma bola na ponta! O que era aquilo...? E na maior cara de pau, encheu de geléia por cima e me mandou relaxar, de novo. Eu, hein? Fiquei mais dura que estátua. Ele não olhou minha cara, pois era tudo muito... profissional. Mexia para lá e para cá, parando às vezes para teclar no computador. Olha, realmente, é muito esquisito. Queria morrer de vergonha daquela relação tão íntima com aquela máquina.

Dizem que isso é muito comum hoje em dia, não é? Sexo por computador. Mas essa coisa é nova, e muito mais intensa. Chama-se sexo... com o computador. Será que ele estava conectado na internet?

Lúcia Carvalho



Moda Crônica

Meu sonho de consumo de hoje? Um celular com máquina fotográfica.Juro. Queria saber como esses publicitários conseguem convencer a gente tão facilmente da necessidade de umas coisas tão desnecessárias. Claro que eu não preciso urgentemente de um celular com máquina fotográfica, acho que ninguém precisa, a não ser aquele rapaz que viu um disco voador no meio de uma floresta e usou o celular para captar a imagem da nave na horinha. Mas as propagandas são tão fantásticas, os aparelhos tão lindos e eu tão consumista, que atualmente só penso nisso.É que fiquei um pouco enciumada na semana passada. Recebi alguns amigos para jantar e numa certa altura todos sacaram suas armas, ops, seus celulares para bater fotos. Disseram que era para colocar na agenda do celular deles.No mundo de hoje ou você se dá bem com as câmeras ou está fora. Eu, que sou o desastre da fotogenia, posei para as tais fotos e fiquei delicadamente pedindo a um e a outro para alterarem minhas fotos: num dos telefones eu estava de olho fechado, no outro estava torta, no outro uma baleia de gorda. No final, o que era para ser um jantar virou uma sessão fotográfica. Eu só não fui mudar de roupa e pentear o cabelo porque iam me achar super caipira, mas olha, morri de vontade. Acho que ninguém mais se arruma para tirar foto. Também, com a quantidade de câmeras fotográficas, filmadoras e webcams que existem, ser fotografado ou filmado é a coisa mais normal do mundo.Há uns anos atrás, tirar uma foto era um pequeno ritual. Arrumávamos o cabelo, ajeitávamos a roupa, parávamos quietos e sorríamos. E quando alguém pedia para você bater a foto? O cuidado com que pegávamos a máquina dos outros, com apenas dois dedos, sem encostar em nada? Tirar foto era coisa séria, gente, e as máquinas não eram vendidas assim, dentro de qualquer... telefone.
Ainda morta de vontade de ter o meu telefone com máquina, parei para olhá-los numa vitrine no shopping quando chegou o vendedor.- Para que as pessoas usam a máquina fotográfica do celular? – perguntei, cínica.- Para tirar fotos, ora! – ele se espantou – É muito bom poder tirar fotos a qualquer hora.- E o que eu faço com elas? – indaguei, para ver o que ele respondia.- Você coloca na agenda do celular. Assim, se o fulano te liga, você olha para o teu telefone e vê a cara da pessoa – ele explicou.A segunda explicação, que também não me convenceu, veio em seguida.- Além disso, você pode mandar uma imagem para outra pessoa que tenha telefone que recebe imagem. Por exemplo, você pode tirar uma foto comigo aqui na minha loja e mandar para alguém. A pessoa vai receber a mensagem, olhar e ver que você está na loja e comigo. Não precisa nem explicar, nem falar. Uma imagem vale mais que mil palavras. Não é incrível?É.Mas o mais incrível é que eu, uma pessoa adulta, formada e mãe, possa aceitar essas explicações esdrúxulas, não acreditar nelas e ainda querer ter um celular com máquina fotográfica. Sei que para os médicos ou engenheiros a coisa deve ser útil, mas não para mim. Eu me sinto como aqueles índios que querem possuir coisas brilhantes pertencentes aos homens brancos. Uma verdadeira “pocahontas” no shopping, essa cronista aqui...Poderia inventar uma explicação mais inteligente, dizer que tudo que agiliza a velocidade e qualidade da informação é válido, que para viver bem precisamos nos comunicar com facilidade. Mas prefiro a idéia do ET, que é mais divertida.E se aparece uma nave espacial na minha frente? Nunca se sabe...


Lúcia Carvalho

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