5.8.07















Dia desses fui revisitar a Casa de Cultura Mario Quintana e fiquei la admirando o quartinho onde o poeta passou seus ultimos anos de vida, tentando me contaminar com seus espectros poéticos, cama baixa, maquina de escrever, um poster da Rita Hayworth, e logo no térreo a rua da praia que ele tanto gostava...
Curiosidade, Quintana estava certa vez, estava sentado em sua costumeira mesinha no bar da Andradas tomando seu cafézinho, onde era possivel abordá-lo frequentemennte pedindo auxilio nas tarefas escolares... Certa vez uma adolescente apareceu no bar com bloquinho e lápis na mão perguntando:

- Seu Quintana, será que poderíamos trocar uma idéia?
- Claro minha filha. Mas certamente eu vou sair perdendo...

Esse é o Quintana! Perde a reputação de bom velinho mas não perde a piada...
Ja postei aqui algumas poesias do Quintana, e hoje proponho a leitura desta entrevista que ele concedeu a Cristina Serra e Patrícia Bins. Mais informações você pode encontrar aqui.

_____

Cristina– Seus poemas mostram um extremo cuidado com a forma.
De onde vem esse rigor formal ?
Quintana – No colégio eu era muito vagabundo. Só estudava português, francês,
história do Brasil e história universal. O resto não me interessava absolutamente; eu
nem abria os livros. O resultado foi que no terceiro ano do curso secundário fui
reprovado. Eu teria que repetir o ano, o que não seria bom para mim, psicologicamente,porque eu ficaria atrás dos meus colegas de turma. Então o meu pai disse: “Bem, se você não quer estudar, o que é que eu vou fazer? Eu gostaria que você se formasse. Mas você só dá para escrever e fazer poesia. Se você não quer estudar, eu não o quero para vagabundo. Venha trabalhar na farmácia comigo”. Assim, durante cinco anos, eu fui prático em farmácia em Alegrete. Era um trabalho de grande responsabilidade e que me foi muito útil. Naquele tempo os farmacêuticos aviavam receitas. Naturalmente o meu pai me passava as coisas que não tinham muita responsabilidade, porque eu era guri. Eu fazia soluções que, se colocasse um pouco mais ou um pouco menos dos ingredientes, não fariam mal ao doente. O que acontecia é que o remédio ficava turvo depois. Mas eu era bem consciente. E eu atribuo a esse cuidado que eu tinha com a medida exata, o cuidado que eu tenho com a forma dos meus versos. Atribuo o cuidado extremo com a forma da poesia de Carlos Drummond de Andrade a sua habilidade métrica, pois ele estudou farmácia. Assim como Alberto de Oliveira, que também era farmacêutico e outro dos nossos grandes parnasianos, mestre da arte poética do Brasil.

Cristina – Você se recorda em que circunstância escreveu uma poesia
pela primeira vez ?
Quintana – Eu comecei a escrever desde que comecei a me entender por gente.
A poesia não deixa de ser uma forma de falar sozinho, porque havia assuntos que eu não
podia meter em conversa. Coisas que me impressionavam, como uma nuança no muro;
o reflexo dos lampiões, de noite, nas poças d’água; uma nuvenzinha que tinha ficado
parada lá no céu perdida das outras; coisas assim. Isso eu não podia falar numa
conversa, porque iam pensar que eu estava maluco. Esse é o assunto dos meus poemas.
Por isso digo que a poesia não deixa de ser uma maneira de falar sozinho. Mas a solidão
do poeta se comunica com outras solidões e é assim que se estabelece o fluxo da poesia.
É como nos presídios. Os prisioneiros que estão sozinhos nas suas celas se comunicam
com os outros através de batidas na parede. É isso. Há um grande número de poetas, que
são os leitores que gostam de poesia. Só que eles não sabem escrever e a gente fala por
eles. Poesia não é coisa do outro mundo. Um poeta é bom quando um leitor diz “é assim
mesmo que eu sinto”.
Cristina Serra - Você escreveu poesia, mas seu primeiro livro foi publicado
somente quando você estava com 34 anos, 1940. Por que essa estréia, digamos,
tardia ?
Quintana – Eu sempre fui exigente comigo mesmo, devido ao tal cuidado com a
forma. Eu achava que os poemas não estavam bons. À medida que a gente vai vivendo,
vai se depurando. O meu livro mais depurado é o mais recente, Esconderijos do tempo
(1980). Não quer dizer que com o tempo a gente melhore. Mas quanto mais velho se
fica, mas maduro e mais prático no exercício da poesia. O meu primeiro livro, A Rua
dos Cataventos, tem 35 sonetos. Se o livro tivesse 35 edições é capaz que a última
fosse completamente diferente da primeira. Eu faço muita revisão nos meus livros. Os
editores ficam danados com isso. Mas estou sempre mexendo. Da primeira para a
segunda edição da Rua dos Cataventos, eu mexi no poema que diz: “Um dia murcha
de fitar com espanto/os fios de vida que eu urdi chorando/na orla negra do seu negro
manto...” Na segunda edição eu substitui “chorando” por “cantando”. Ficou muito mais
triste. Em edições posteriores, eu tirei alguns sonetos que não me agradavam e os
substitui por outros mais recentes.
Cristina Serra – A Rua dos Cataventos é formado apenas de sonetos. Por
que você privilegiou essa forma para os poemas do seu livro de estréia ?
Quintana – Naquele tempo, devido ao movimento modernista, o soneto estava
muito desmoralizado. Desde que comecei a escrever sempre fiz poemas de todo jeito,
segundo a forma fosse mais apropriada. Uns eram sonetos, outros eram canções, outros
eram poemas francamente surrealistas, oníricos, outros eram quartetos. Então, eu achei
que devia provar que o soneto era também um poema. E fiz uns sonetos que pegaram. A
Rua dos Cataventos foi um bruto sucesso. Os críticos se enganaram pensando que eu
tivesse feito uma evolução do soneto ao poema surrealista. Nada disso. Eu tinha vários
livros prontos ao mesmo tempo. Apenas não misturei porque gosto de conservar a
unidade dos meus livros. Em todos os livros que publiquei depois, Sapato florido
(poemas em prosa, 1947), Canções (canções, 1946), Espelho Mágico (quartetos, 1948),
O aprendiz de feiticeiro (1950), havia poemas da época em que foi publicado A Rua
dos Cataventos. O meu livro mais avançado, surrealista, O aprendiz de feiticeiro, é
daquela época. Os críticos acham que eu evoluí até chegar ao Aprendiz, que era a
forma mais avançada de poesia naquela época. Então disseram: “Finalmente ele foi
conquistado por nós”. Nada disso. Eu já havia chegado antes deles.

Cristina– No seu caso, o que determina a escolha da forma para a
poesia ?
Quintana – É o poema que dá a forma. Eu não sei bem...Coisas que vêem assim
bailando, pulando, são canções. Coisas que são mais graves, mais solenes, são odes.

Cristina – A poesia é música ?
Quintana – Não é só música. Tem que ter música. Mas não como aqueles
versos insuportavelmente harmoniosos que se fazia antes. O verso, antes de tudo, tem
que ser expressivo, embora às vezes pareça cacofônico. No poema floresta, do livro
Esconderijos do tempo, falando de uma floresta eu a defino como apenas três palavras:
“dédalo de dedos”. É um bruto cacófato, quatro vezes cacófato em (...) palavras. Mas
está definida a floresta.
Cristina – Você acha que antes de fazer verso livre, o poeta tem que
saber fazer um verso clássico ?
Quintana – Não sei. Esse é apenas o meu exemplo, como de quase todos os
meus contemporâneos no Brasil. Acho que tem que ter a base do clássico. No meu
tempo, a gente começava a escrever copiando letras nos cadernos de caligrafia. Depois
de escrever caligraficamente, com o tempo, à medida que fosse crescendo a
individualidade de cada um, a pessoa adquiria uma escrita própria. É a mesma coisa
com o verso livre e com o verso clássico.
Cristina – A seu ver, quais as qualidades do poeta, se é que se pode
falar assim ?
Quintana – Eu acho que a minha qualidade, antes de tudo, é ser absolutamente
sincero. Eu nunca escrevi uma vírgula que não fosse confessional. Quando o camarada
faz uma coisa (...), por encomenda, não dá.Tem que ser um sentimento absolutamente
sincero. Se não sentir nada, não deve escrever. Eu tenho tido períodos de deserto. Não
vem nada e eu não escrevo. Digo: “Puxa, a lagoa secou e só ficou o jacaré”. Mas depois,
de repente, vem aquela coisa, aquele relâmpago, aquele flapt, o santo baixa. Mas a
gente não pode se fiar só no santo. A gente tem que ajudar o santo, que puxá-lo pelos
pés. O Paul Valery, poeta francês, dizia a mesma coisa de outro jeito: que os deuses nos
dão o primeiro verso, os outros a gente tem que arranjar. Às vezes, o poeta sai pronto.
Fiz um soneto que é um dos meus sonetos mais apreciados, inteiramente clássico com a
mesma rima nos quartetos, numa noite de insônia, sem papel, sem sono, no escuro.
Quando acordei, eu disse: “Olha, acho que fiz um soneto”.

Patrícia – Você sobreviveu a vida inteira de escrever: em jornais,
revistas, traduzindo excelentes livros e, claro, como poeta. Se viesse ao mundo de
novo, escolheria o mesmo modo de viver (e de sobreviver)?
Quintana – O mesmíssimo modo, sem tirar nem pôr.

Cristina – Você trabalhou com Érico Veríssimo, na Livraria Globo,
como tradutor. Poderia nos falar sobre esse trabalho. ?
Quintana – Não se dá valor ao trabalho do tradutor. Isso sempre me deixou
indignado. A tradução é uma coisa muito séria. Quando a gente consegue fazer uma
tradução boa, aceitável, isto é, nada mais, nada menos, que a estréia daquele autor
traduzido na literatura de língua portuguesa. Isso as pessoas, os críticos, não levam em
conta. Eu traduzi clássicos como Voltaire, Proust, Balzac, Someset Maugham, Conrad e
Virginia Woolf, entre outros. Sempre com muito cuidado. Tanto que o Alceu Amoroso
Lima disse que eu tinha conseguido o impossível que era traduzir Proust. Um crítico
holandês me escreveu, felicitando-me pela tradução de Proust. Ele disse que passava,
sem sentir, do Proust para mim, que estava lendo Proust e, daí a pouco, passava para a
minha tradução. Eu traduzi quatro volumes do Proust. Os outros foram traduzidos por
Manuel Bandeira e por Carlos Drummond de Andrade. Fiquei em ótima companhia e
acho que Proust não pode se queixar da gente, pelo menos da parte do bandeira e do
Drummond. Ao todo, eu traduzi 138 livros.

Patrícia – Que obras e/ou autores mais ama ou amou ?
Quintana – Antonio Nobre, Cecília Meireles, Camões, Garcia Lorca,
Guilhaume Apollinaire, Verlaine, Racine, Shakespeare, O Novo testamento,
Dostoievski.

Patrícia – Considerado feiticeiro e mágico, o que sente ante o mistério
de criar ?
Quintana – Deslumbramento e susto. Digo “susto”, porque na verdade, nunca
passei de um aprendiz de feiticeiro.

Patrícia – A solidão é o silêncio de um bar cheio de gente ?
Quintana – a solidão é o silêncio que a gente faz dentro de si mesmo, em
qualquer ambiente, seja barulhento ou não.

Cristina – Por que você gosta tanto de escrever à noite ?
Quintana – sou um lobisomem da poesia. Escrevo de meia-noite em diante, até
às três ou quatro horas. Às vezes, a poesia vem nas ocasiões mais impróprias e eu tomo
nota do relâmpago num papelzinho; outras vezes, me esqueço pelo caminho. Se eu não
esqueço, escrevo à noite, no silêncio. À noite, a gente só é visitado por fantasmas e eles
são silenciosos...

Patrícia – Que obra sua lhe deu maior prazer ? Maior angústia ?
Quintana – Todas elas.

Cristina – Você tem preferência por algum livro seu ?
Quintana – Eu não sou um poeta satisfeito. Eu sempre procuro ir mais adiante.
A poesia é o mais adiante. Não tenho preferência por nenhum livro meu, mas acho que
o último é o mais depurado, o que tem mais vivência, mais técnica. Eu escrevi uma vez
que um poema é tanto mais belo quanto mais parecido for com o cavalo, porque o
cavalo é a obra perfeita da criação. O cavalo não tem nada de mais, nem nada de menos.
Um poeta em que não se pode acrescentar nem tirar uma palavra está bom.

Patrícia – O futuro, como o imagina ?
Quintana – O futuro é uma espécie de banco, ao qual vamos remetendo, um por
um, os cheques de nossas esperanças. Ora! Não é possível que todos os cheques sejam
sem fundos...

Patrícia – E a sua visão do outro mundo ? De Deus, deuses, dos anjos,
do diabo ?
Quintana – Oportunamente, saberei...Tenho até muita curiosidade – mas
nenhuma pressa – de saber como será o outro mundo.
Deus está em toda a parte. Mas por que procurá-lo no mundo exterior ? Se ele está em
toda a parte, está dentro até de cada um de nós e a cada um compete descobri-lo, dar-lhe
a maior parte possível em nossa vida terrana. Do contrário, o nosso Deus interior pode
até morrer, como acontece com os ateus, os positivistas, todos os materialistas. Eles não
sabem que são o sepulcro de Deus. A falar verdade, não importa que a gente acredite ou
não em Deus, mas se Deus acredita na gente. De minha parte, só acredito mesmo é na
segunda Pessoa da Santíssima Trindade, no Deus Vivo, pois temos testemunho histórico
de que Jesus Cristo viveu entre nós. Quanto aos deuses pagãos, morreram de fato, pois
os poetas deixaram de invocá-los. Dos anjos não posso absolutamente duvidar, em vista
da insistência com que aparecem em meus poemas. Santo da minha devoção ? São
Jorge, com seu cavalo e seu Dragão. Sou devoto dos três.

Marcadores:

1 Comments:

Blogger Péssimas said...

KKKKKKKKKKKKKKKKKK

Quintana era péssimo!
Péssimo NATO.

ASMO!

1:29 AM  

Postar um comentário

<< Home