21.4.06


Rádio Madruga


- ZYB 87.9, Rádio Apucarana FM. Meia-noite e trinta e dois desta terça feira 25 de novembro. Fiquem agora, na boa companhia de Neil Diamond; Girl You´ll be a Woman Soon. Logo depois desta linda canção, voltaremos ao vivo com o seu pedido.

Pronto! Agora tenho 2 minutos e cinqüenta e dois segundos de sossego... Vou até a cozinha encher de café uma caneca azul poeirenta. Ao que tudo indica, o café deve estar horrivelmente requentado e amargo... Acertei! Agora ele vai percorrer toda extensão de minha laringe até finalmente repousar no estômago causando-me extrema azia.

É... Estou atravessando uma daquelas fases difíceis da vida. Precisaria de certo tempo e silêncio para pensar. Mas agora, só o que me restam são 2 minutos e três segundos, antes de atender algum retardado qualquer que ainda esteja acordado nesta hora da madrugada. E o pior de tudo, com vontade de ligar para alguém.

Sei que o meu problema é bastante comum. Já vi acontecer com um monte de amigos, vizinhos, parentes... Já vi acontecer em novelas, já li sobre o assunto em livros, mas jamais pensei que fosse assim. Jamais pensei que uma separação doesse tanto. Um longo período vivendo ao lado de uma pessoa, aturando suas implicâncias, suas manias, e seus defeitos. Tudo em pról de um relacionamento. Você vive coma a certeza que pode viver perfeitamente bem, longe disso tudo. Então um dia você leva um pé na bunda e descobre quão dependente esta. Se ao menos eu pudesse acender um cigarro...

Começou aqui na rádio um modismo do politicamente correto que devo dizer, esta me enchendo a paciência. Não se pode mais fumar no estúdio. Quem quiser fumar deve se dirigir até a recepção e ficar confinado por lá. Eu poderia muito bem fumar meu cigarro por aqui mesmo já que o operador está dormindo no sofá. Mas correria o risco do locutor da manhã sentir o ranço de nicotina e reclamar. Eu acabaria esmurrando o idiota e seria demitido. Em apenas uma semana, faria a proeza de ficar sem a cretina da minha mulher e sem o inútil do meu emprego.

Meu programa vai ao ar das onze da noite até as cinco da manhã. Chama-se Rádio Madruga. A cada hora o ouvinte faz um pedido, e enquanto eu o entretenho no ar falando alguma bobagem, o operador procura pela música. Bem, já esta na hora. Bato no vidro para acordá-lo: Soon... Come take my hand.

- Muito bem, estamos de volta. E chegou a hora da sua participação.

Libero a linha. Para mim esse é o pior momento. Nunca sei se vou ouvir um palavrão, uma cantada, ou um papo de bêbado. Às vezes eu prefiro os palavrões...

- Alô. Quem fala?

- Alô?
A voz é de mulher.

- Aqui é a hããnnn.... Odete.

- Hããnnn Odete? Mas que nome diferente... Qual música que você quer ouvir nesta madrugada?

- Romaria.
Termina de falar e emenda um choro sofrido...

- Odete? O quê que ouve Odete?

- É que eu vou me matar escutando Romaria...

Fico alguns instantes sem ação, depois pergunto com falsa naturalidade, como se escutasse esta mesma frase todo dia:
- Ei Odete... Porque você quer fazer uma coisa dessas?

- Eu não quero. Eu vou. E não vai ser você, fingindo que se importa, que irá me impedir.

- Eu não estou fingindo. Eu me importo com você Odete.

- Você se importa tanto que nem sabe meu nome. Eu não me chamo Odete.

- E qual é seu nome?

- Eu não vou dizer.

- Tudo bem... Amanhã eu leio no obituário. Agora você vai me dizer por que se matar?

- É que eu estou sozinha.

- E...

- E é isso. Não suporto mais essa solidão.

- E desde quando isso é problema? Eu mesmo, queria muito ter um pouco de solidão. Queria poder ficar olhando pra parede durante horas sem ser interrompido...

- Eu não desejo isso pra ninguém.

- Deseje pra mim. Olha Odete...

- Já falei, eu não me chamo Odete.

- Que seja! Vai pro inferno! Você não quer me escutar, mas mesmo assim quer que eu resolva sua vida. Pois muito bem, eu sou o conselheiro ideal... Porque diabos você tem que ligar justo pra mim e dividir essa informação? Por acaso você acha que vai me dizer que pretende se matar e eu então irei lhe desejar boa noite? Você quer saber o que eu fiz domingo?

- Não.

- Pois eu deixei minha mulher. Depois de sete anos de casado com trinta e quatro anos de idade eu voltei a morar com meus pais.

- Você tem filhos?

- Tenho. Um menino de quatro anos.

- Qual o nome dele?

- Isso também não te interessa... Escuta aqui, você não ia se matar? Porque não toma um litro de água sanitária e me deixa em paz?

- Ei seu grosso! Você que começou com esse papo de querer salvar minha alma.

- Pois então, sinta-se a vontade. Vá em frente. Quer saber? Você estava certa, eu realmente não me importo.

Silêncio.

- Tá, mas e a Romaria?

- PORRA mas que mulher chata! Não é a toa que vive sozinha...

- E também não é a toa que sua mulher te deixou. Seu fracassado!

- Fracasso é querer se matar!

- Olha eu não vou mais me matar. Eu vou é te matar seu idiota!

- Pode vir... A rádio madruga vai ao ar até as cinco. Estarei te esperando ouvindo Romaria. INITERRUPTAMENTE que tal?

- ÓTIMO!

Ela desliga o telefone. Acho que consegui... Finalmente escutarei apenas silêncio.