O Homem Estátua
O Homem Estátua, muito embora não pareça, nasceu dotado de todos os movimentos articulatórios. Também não nasceu homem, mas sim um lindo bebê de olhos verdes, cabelos claros, que mais tarde com a idade, foram escurecendo até ficarem bem pretos, da cor do carvão.
Desde muito pequeno, já se podia notar em seu ímpeto inerte, as características que mais tarde fariam dele reconhecidamente, o Homem Estátua. As noites sempre transcorriam tranqüilas no berço do pequeno infante cujos pais preocupados, certificavam-se frequentemente a ver se respirava. Com dois anos de idade, ainda não caminhava, mas ficava firmemente em pé, sem perder o equilíbrio. Também falou tardiamente, em monossílabos definitivos que sempre vinham a transtornar os ouvintes.
Na escola, foi considerado autista pelos mestres. O Homem Estátua se excluía das brincadeiras e permanecia alheio a balburdia dos demais colegas. Muitas vezes se punha a olhar pela janela da sala de aula, um galho de arvore que balançava ao sabor do vento. Sentia-se ele próprio parte desta natureza sólida. Sentia-se imutável na transposição dos tempos...
Findou o ciclo estudantil conjeturando as muitas possibilidades que o destino lhe reservava. Incrivelmente nada lhe acalentava o espírito. Medicina, engenharia, jornalismo, tudo para ele parecia tão inócuo. Tudo para ele, parecia perda de esforço, ou apenas o ímpeto lascivo das vontades sobre-humanas de transpor a existência atuando apenas sobre o instante.
O instante indelével... Deprimido e melancólico, sentou-se num banco de praça e se pôs a observar. Diante da correria cotidiana das pessoas, a paisagem era o que se perpetuava. A peça teatral terminava, mas o cenário ficava montado. Estático. Só aguardando pelos novos intérpretes. Quando deu por si, notou que o dia havia terminado, e que ali, naquele banco, ele havia desperdiçado um tempo que não tinha. Um tempo que na verdade jamais foi seu, e que jamais lhe pertenceria. O tempo era como segurar um litro d´água com as mãos vazias.
Levantou-se, decidido. Se uma luta injusta é sempre uma luta digna, porque não lutar contra o tempo? Não era justamente o que a natureza vinha silenciosamente fazendo durante milênios? O tempo que tenta em vão fenecer toda e qualquer determinação de existir a duros golpes de uma insistência permanente. Prostrou-se rijo, observando o horizonte. Notou que assim podia ficar durante horas. As pessoas que por ele passavam olhavam curiosas. Como era possível, alguém permanecer sem mexer um só músculo ou esboçar uma só reação por tão longo período? Admiradas, depositavam moedas aos seus pés. As crianças queriam tirá-lo daquela sua surpreendente hibernação com acenos, gritos, ou outros pedidos de atenção.
Juntava-se uma multidão de telespectadores procurando enxergar sua sutil respiração, ou um imperceptível movimento de pálpebras. E cada vez mais, o homem estátua menos se mexia... Certo dia, depois de passados alguns anos, seus pais vieram à praça. Abraçados no meio do povo ficaram a observar o filho querido. Estavam velhos, tinham os corpos curvos, enrugados, e uma incompreensão inquietante no olhar. Quando se verteu uma fustiga lágrima do rosto da mãe, o Homem Estátua permaneceu inerte. Tão impenetrável e sólido como a concreção calcária. Percebeu então, que além de não mais se mover, ele agora era incapaz de se comover. E foi assim, que o homem passou a ser simplesmente, estátua.
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