8.1.06





























Um pouco da poesia de Mario de Andrade, da trupe de modernistas que sacudiram o país em 1922 na semana de arte moderna.
Há quem superestime tal acontecimento, dando a ele títulos como de renovador da Literatura e das Artes no Brasil. Disso tenho minhas dúvidas, mas mesmo assim não se tira o mérito deste nosso importante poeta nacional que alfinetava:
``Não fujo do ridículo. Tenho companheiros ilustres.``



CANÇÃO


... de árvores indevassáveis
De alma escusa sem pássaros
Sem fonte matutina
Chão tramado de saudades
A eterna espera da brisa,
Sem carinhos... como me alegrarei?

Na solidão solitude,
Na solidão entrei.

Era uma esperança alada,
Não foi hoje mas será amanhã,
Ha-de ter algum caminho
Raio de sol promessa olhar
As noites graves do amor
O luar a aurora do amor... que sei!

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me...

O agouro chegou. Estoura
No coração devastado
O riso da mãe-da-lua,
Não tive um dia! uma ilusão não tive!
Ternuras que não me viestes
Beijos que não me esperastes
Ombros de amigos fiéis
Nem uma flor apanhei.

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me.
Nunca me alegrarei.

(Rio, 22 Dezembro- 1940)


MOMENTO


O vento corta os sêres pelo meio.
Só um desejo de nitidez ampara o mundo...
Faz sol. Fez chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.
Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranhacéus, faz chuva.
Faz frio. E faz angústia... É este vento violento
Que arrebenta os grotões da terra humana
Exigindo céu, paz e alguma primavera.

(Abril de 1937)

QUARENTA ANOS


A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais si goso, pois o gôso
Só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar... Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo

Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.