Abrindo as comemorações da semana farroupilha:
Apparicio Silva Rillo, além de poeta, escritor e pesquisador, é um notório contador de causos.
Principalmente causos daqueles personagens que habitam o interior do Rio Grande do Sul. Causos estes, que ele garante serem verdade. Mas como o próprio Rillo diz `` Quem afirma que não mente, já mentiu no redepente."
Seguem dois causos do Rillo publicados no livro Rapa de Tacho 2- Causos Gauchescos:
Menina das Sete Saias
Vindo de férias da capital do Estado, onde cursava Direito (embora por vias tortas), um hoje conhecido advogado numa das principais cidades do Rio Grande do Sul divertia-se com as primas e algumas amigas na estância onde passava alguns dias de descanso.
O fazendeiro, amigo íntimo de seu pai que, como ele, fora capitão das forças de Honório Lemes em 23 e 24, era homem de poucas palavras. Não dava maior atenção ao sobrinho emprestado que lhe parecia um almofadinha. Tanto que este preferia estar nas casas da estância, a charlar com as meninas, que sair para o campo e ajudar nos serviços do dia-a-dia.
Dessa feita - já se considerando íntimo da família - o estudante recitava algumas quadras que ele adjetivava de picarescas.
As primas e amigas se divertiam, embora algo constrangidas, com os versos do futuro bacharel:
``Menina das sete saias,
sete saias de veludo,
debaixo das sete saias
tem um bicho cabeludo.
Menina das sete saias,
sete saias de mortalha,
debaixo das sete saias
tem um bicho que trabalha
Menina das sete saias,
sete saias passadinhas,
debaixo das sete saias
tem um bicho que caminha.
Menaina das sete saias,
sete saias de chitão,
debaixo das sete saias
tem um bicho comilão.
Menina das sete saias,
sete saias de morim,
debaixo das sete saias
tem um bicho que é pra mim``.
Uma das primas - a mais nova delas - saiu de mansinho e foi queixar-se ao pai de que o Albérico estava recitando uns versos ``sujos``.
Foi escutar o reclamo e o velho levantar-se do puxado da cozinha, onde estava mateando. Na passagem pelo corredor já deu de mão num trançado de oito com duas balas ``44``retovadas na tala de papada de touro.
Postou-se atrás da porta exatamente quando, a instâncias de uma das amigas das filhas, o estudante recitava de novo os versos.
O fazendeiro, que fora trovador em rapaz, rapidamente concertou uma quadra de resposta. Balançou o trançado de oito e apareceu na sala. O candidato a bacharel levantou-se, já imaginando tempestade.
E não deu outra coisa. O estancieiro gritou ``Atenção!´´ e abriu o peito:
``Mocinho que está de pala,
escute lá meu conselho:
pra não ser desaforado
vai ser surrado de relho``.
Na terceira lambada - enquanto as mocinhas fugiam, apavoradas - o Albérico berrou como terneiro desmamado, à medida que o mijo lhe esopava as calças corridas.
Nunca mais voltou à estância de seu tio emprestado.
Também não dei
Pescaria das grandes na cachoeira de Mercedes, no rio Uruguai. Dez ou doze companheiros, dentre os quais o ``Guerreiro´´, velho e devotado companheiro de nossa turma.
Cláudio Rodrigues, o Tio Manduca - por mais velho e experiente -, comandava a junção:
- Dondonga, me traz um mate. Rillo, vai preparar as caipira. Miguel Monturo, tu que é um índio campeiro, separa a carne para o assado da noite e salga o resto desta meia vaca que o Pedrinho Batista nos mandou. Nico - cria do nosso velho Alegrete! -, pega a tarrafa e vê se apanha uns lambaris no tombo d´água. Vamos precisar de carnadas para iscar os espinhéis. O Zé Bicca vai quebrando o gelo pro caixão das cervejas. E tu, Pedrinho, campeia mais alguma lenha por aí.
À noite, a carne já no fogo, a canha e a cerveja circulando, formou-se a roda. E a tropilha dos causos bateu casco no silêncio pautado pelo canto dos grilos.
Tio Manduca - revolucionário em 23 -, com um sombreiro aventado por meia dúzia de rasgões cobrindo a melena branca, cada vez que falava em Honório Lemes sacava o chapéu num gesto reverente.
- Tiramos o Flores coxilha abaixo, mais estirado que corda de viola. Não é pra me gabar, mas atropelei o meu picaço pata cruzada e cheguei a tiro de bola. Só não matei o Flores porque não se atira num valente pelas costas...
O Luizão Mango-feio, irreverente, comenta baixinho ao pé do ouvido do Nico Fagundes:
- O véio Cláudio serviu mesmo foi nas tropas do coronel bugio. Viviam trepados na galharia com medo da chimangada.
Numa dessas pescarias em Mercedes, o Guerreiro, a meia-guampa (falava-se em guri que dá, em guri que não dá), se atravessou no assunto como lagarto no trilho:
- Pois olha, eu também fui guri como vocês todos, cambada de frescos! E sou muito homem pra dizer que tanto passei muito guri nas armas como também dei. E quem me disser que não deu, quando piá, tá me mentindo.
Silêncio na roda. Olharam-se todos, rindo por dentro mas aparentando seriedade para ver até onde chegava a história do Guerreiro.
- Que é que há? Dei o que era meu quando era guri e sou mais homens que vocês todos. Rillo - tu aí -, tu também não deu?
- Não, não dei.
- E tu, Nico, tu deve ter dado. Guri bonitinho não escapa.
O Nico saltou longe:
- Não dei, não vou dar nunca!
O Guerreiro se apotrou:
- Tudo vocês tão se fresqueando. E mentindo grosso. O Monturo eu garanto que deu.
Não. Nem o Monturo nem ninguém na roda havia dado.
Com essa o Guerreiro virou bicho. Levantou-se, jogou longe a garrafa de cerveja, deu um pontapé no banco onde estava assentado e arrematou, sibilino e incisivo:
- Pois então eu também nunca dei!
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