8.8.05























Uma sequência de textos de bar, de Leila Míccolis.
Logo após, duas pérolas desta mesma escritora:



BAR DA ESQUINA
Na saideira, mais uma vez,
a esperança
de embriaguez.

DE REPENTE
Cigarro sem filtro
verdades na mesa
tremosso azeitona
chopinho na tarde
teu beijo molhado
tua voz brincalhona
de sexta a outra sexta...
Saudade mais besta.

RITUAL
De início o papo é eufórico e animado:
tudo vai bem,
no emprego teve aumento,
a patroa está boa
— sempre jovem —
e outro júnior virá no mês de junho;
mas depois das cervejas (casco preto),
quando restam no bar eu e o garção,
os sonhos vão perdendo a intensidade
começas a culpar a vida, a idade
e acabas me falando em solidão.

DOSE
Queres saber o que ocorre?
O nosso amor, de tão sóbrio,
virou um porre...

ÚLTIMO CHOPE
Desavença,
mudez tensa,
mesa imensa..

FOSSA
Depois de tomar uns gins
e ouvir Chico na vitrola,
dispo a minha camisola,
me enfio na calça jeans,
e saio meio-embalada,
decidida a te esquecer.
Retorno de madrugada
sem nada me acontecer,
a não ser essa ressaca
incomodativa paca
(resquício de um bom pileque),
mais fossa e menos um cheque...

A SECO
Tem coisas que a gente só diz de porre,
se não o outro corre;
mas passada a bebedeira,
a gente acha que fez besteira,
não devia ter falado,
que se expôs adoidado,
à toa e foi tolice.
Finge-se então que se esquece o que disse,
culpa-se a carência, a demência, a embriaguez
responsáveis por tamanha estupidez.
E é aceitando este estranho cabedal
que quando se volta ao "estado normal",
cada vez mais sós, na defensiva,
corroídos morremos de cirrose... afetiva.


por Leila Míccolis



BONS TEMPOS ou SAUDOSA MALOCA...

Namoro antigo:
titia na sala bordava um pano,
tomava conta,
e ainda havia entre nós dois...
um piano...

Pra se mostrar, a vigia tocava um rondó cigano,
tão mal,
que ela enrubescia,
se rias de algum engano...
Por fim, como despedida,
a mais ousada bravata:
um beijo na minha tez.
E após a tua saída,
eu,
titia e mais a gata,
surubávamos as três...

por Leila Míccolis




FORA DE FORMA

De amor é fácil falar,
opinar, teorizar,
mas viver é que são elas...
Portanto não acredite
nesse povo tagarela
que somente dá palpites.

Nem agrida quem discorda
ou quem chama de calhorda
a nossa forma de vida,
só por ser controvertida.

Mais lúcidos somos nós:
eles se juntam somente
a uma multidão de gente
pra fingir que não estão sós.
por Leila Míccolis