REVELAÇÕES DE NOSSAS PERVERSAS RELAÇÕES
Domingo oito horas da manhã. Ela começa a fazer barulhos na cozinha com o intuito de me acordar.
Amontoa a louça ensaboada numa sinfonia infernal, até que eu finalmente me levanto:
- Pô que merda! Nem em final de semana se pode dormir nesta casa?
Ela amarra o bico e começa a chorar.
Diz que eu não me importo com a sua entrega, que só me interesso por aquilo que me satisfaz; que sou um babaca machista que acha que mulher só serve pra trepar, cuidar da casa; enfim... Coisas que a TPM nos proporciona mensalmente, e que lá no fundo nos deixa tão chateados, pois bem tememos ser verdade.
Sinto pena dela, mesmo porque ignoro esta condição. Pergunto sem paciência, o quê ela quer afinal?
- Quero ir no Brique da Redenção seu cu! - diz, enxugando as lágrimas no pano de prato.
Eu, que me irrito facilmente com palavrão, respondo alto :
- Puta que o pariu! Lá vamos nós encher a casa daquele artesanato inútil.
E a avalanche tem então seu inicio...
E é o que basta.
Um ruído mais forte e tudo vem abaixo. As portas se batem, e escuto um chorinho renitente.
Muito contrariado, preparo um chimarrão com folhas de erva cidreira, enquanto ela se veste no quarto, escutando alto uma canção qualquer do Velvet Underground, que bem sabe que eu odeio.
No trajeto dentro do automóvel, não trocamos uma palavra sequer. E é exatamente este silêncio, esta falta do que dizer, que torna-se em minha mente uma discussão imaginária terrível. Como ela pôde ter a coragem de me dizer uma coisa dessas?
Estaciono bem longe, para evitar os guardadores de automóvel.
Eu particularmente, me sinto ridículo fazendo estas ceninhas de casal medíocre, que não tendo a menor sofisticação e laissez faire, se engalfinham na prática mútua enlouquecerem-se quotidianamente.
Descemos do carro e começamos a caminhar lado a lado em silêncio. Volta e meia eu roço as costas de minha mão nas dela, como numa súplica amarga de um perdão mudo e covarde. Ela me olha, e diz num tom de irritação:
- Não vai me dar a mão, porra?
Eu dou com certa resignação. Minha mão está suada e pegajosa.
Reclamo algo sobre os cachorros soltos no parque em meio as pessoas, e recebo um ahãã de aprovação. Estabelecer o diálogo inicial depois de uma briga, é tão difícil e doloroso quanto se extrair um rim pelo nariz. Nenhuma palavra parece se encaixar, e nada coopera para que a situação de fato mude.
É nestas horas que eu penso em terminar com tudo, dar um tiro de misericórdia neste agonizante relacionamento, partir pra outra, sei lá!. Mas não... Afinal de contas eu gosto dela, ou como diriam os medíocres, eu a amo, e já não consigo vislumbrar um incerto futuro sem ela. Ah mas quê diabos! Por que têm que ser assim?
Porque a real necessidade de amor, é proporcional a esta precisão de nos odiarmos?
Cada dia que passa, eu a conheço mais, assim como ela conhece a mim. E conforme vamos nos conhecendo, vamos nos odiando, nos maltratando, nos cerceando e tolhendo, até nada mais restar a não ser meros farrapos humanos, pedaços inertes de carne sem ânimo para nada, nem mesmo para brigar. Acho que é por isso que o casamento é tão incentivado pela igreja e pelo governo...
E aqui estou eu, novamente viajando em divagações e conjecturas, enquanto observo ela experimentar um par de brincos feitos por um hippie fedorento.
Eu me preparo, e já vou pegando a carteira no bolso de trás das calças. Ela se admira num caco de espelho e pergunta para mim:
- E então?
- Tá linda. Quanto é?
- Não tô perguntando isso! E então? Você vai, ou não vai me pedir desculpas?
O hippie me observa com um sorrisinho maroto. Porque será que mulher não têm o menor senso de oportunidade? Aqui não é hora nem lugar pra isso. Muito menos em frente deste pica fumo.
- Desculpa? Desculpa porque, se eu não fiz nada?!
- Você brigou comigo.
- Eu briguei? Peraí, não tô entendendo ``eu briguei``... Você esta toda manhã fazendo de tudo para me enlouquecer!
- Você não gosta de mim...
- Não é nada disso. Eu gosto de ti. Só não gosto do jeito que as coisas estão indo. Quer saber? Me desculpe por brigar com você, por gritar com você. Me desculpe por te chatear, e por existir, tá bom assim?
- Não...
Ela chora, eu a beijo. Finalmente ficamos de bem.
Finalmente, até o mês que vem.
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