Ancas Brancas sob Areias Brancas
Ouço bem de longe o barulho do mar. As ondas vêm, estouram, e se arrastam sobre a praia, me chamando de volta a consciência. Mal posso respirar deitado de costas com o rosto enterrado nos minúsculos grãos de areia. Levanto um pouco a cabeça que dói ao menor movimento, e retorno a posição anterior, preferindo voltar a não respirar...
Sou, neste exato momento, um apanhado de sensações desagradáveis. Tonto, enjoado, com a cabeça latejando e a garganta seca e fechada. Meu fígado pede clemência em espasmos retumbantes, enquanto que minha pele lateja e arde, exposta a este sol infernal.
Não sou nenhum amador na ingestão de destilados fermentados e afins, mas devo confessar que na noite passada, eu exagerei. Ah, também pudera... Faziam dois anos que não eu tirava umas férias decentes numa bela praia repleta de mulheres bonitas. Pois foi vagando entre as mesas dos bares lotados, que encontrei algumas ex-colegas de escola, que me apresentaram uma linda morena. Se não me engano, ela se chamava Rita.
Começamos a conversar sobre trivialidades, e conforme o tempo ia passando, os copos de cerveja iam sendo derrubados e a conversa ficando cada vez mais embalada e complexa. Minhas ex-colegas de escola nos deixaram a sós, percebendo que se estabeleceu um certo clima entre nós dois.
Quando passou uma menina vendendo rosas e constrangendo os casais recém formados, recusei explicando para Rita que eu preferia dar pedras a pessoa amada, pois as pedras perduravam para sempre, firmes e consistentes, sobrevivendo ao tempo, como todo amor deveria de fato ser ( tudo devidamente chupado do costume judaico). Dizendo isso, juntei a primeira pedra que vi no chão e ofereci a Rita que sorriu e me disse:
- Pedra por pedra, prefiro diamantes...
Rita me convidou para sairmos daquele bar. Ela estava começando a sentir a garganta doer, por tentar conversar mais alto que o som que vinha do porta malas de um carro estacionado ali perto. Quando me levantei, o planeta girou como se estivéssemos num imenso caleidoscópio. Trombei na mesa, e peguei na mão de Rita para recobrar o equilíbrio. Disfarcei convidando-a para irmos a beira da praia ver o mar. Sentamos na areia. Nos olhamos . Nos beijamos. E nos amamos...
E agora aqui estou eu. Remontando em minha remota consciência os dados perdidos pela embriaguez. Quem sou eu? Onde estou? Sou interrompido por um gritinho beeeeem fininho, que entra lá dentro de meus tímpanos e se chacoalha por toda extensão de minha cabeça:
- Oh meu Deus! Um homem morto!
- E nu! Venha Glória, vamos chamar o salva vidas.
Devo recomendar... Estas palavras são um ótimo remédio pra ressaca. Você imaginar-se ao lado de um morto pelado, é o equivalente a três doses de adrenalina na veia. Ao me levantar é que noto - o cadáver nu, mencionado, sou eu. Tateio desesperadamente a areia, tentando alcançar minha roupa, enquanto os olhos se ajustam a intensa luminosidade do sol. Concluo que a maré subiu e furtou minha roupa.
Estou nu. Peladão na beira da praia. Meu pior pesadelo infantil tornou-se real. O que fazer? São Maguyiver por favor me ajude! Sentar num buraco e enterrar minhas vergonhas? Melhor não... Os salva-vidas logo chegariam alertados pelas mulheres que caminhavam na beira da praia, e fedendo a álcool desta maneira, eu certamente seria preso por atentado ao pudor.
Corri direto pro mar, lutando contra as ondas e a água congelante que tentavam me impedir. Fui seguindo, até ficar só com a cabeça pra fora. Eu tinha que agir rápido. Logo, as famílias chegariam à praia, abririam seus guarda-sóis coloridos, espalhariam na sua volta aquela porção de quinquilharias, e libertariam suas crianças me prendendo aqui no mar pra sempre.
Nadei em direção ao primeiro surfista que entrou n´água. Esperei ele pegar a uma onda, e quando veio em minha direção, submergi como um submarino nu-clear. Puxei o pé do pobre diabo quando passou por mim. Ele caiu emborcado num tombo muito feio. Aproveitei o efeito surpresa e lhe apliquei um direto no nariz. O garoto devia ter uns 14 anos. Quando ia começar a berrar vendo o sangue que escorria de seu rosto, lhe soquei novamente na boca do estômago, tirando o ar de seus pulmões. Ordenei engrossando a voz:
- Sou Posêidon - Senhor dos mares! Entrastes em meu lar sem permissão! Ordeno que me dê seu long como oferta, e só então pouparei sua miserável vida.
Ele assentiu... Tirou com certa dificuldade a roupa de neoprene, e me alcançou choramingando. Eu peguei de repelão, e no mesmo movimento mergulhei para me afastar logo dali. Foram longas e exaustivas horas tentando me espremer dentro da roupa emborrachada. Finalmente consegui vesti-la até a altura da cintura. Eu parecia um funil. Tive uma horrenda sensação de obstrução circulatória, mas mesmo assim corri com passos curtos o mais rápido possível para fora d´água. Que Houdini, morra de inveja, consegui sair dali!
Agora que finalmente me ponho a salvo, fico pensando, o que terá acontecido a Rita? Será que o mar levou ela, assim como levou minha roupa? Talvez, ela tenha se transformado numa bela sereia quando tocada pelos primeiros raios solares... Só não posso acreditar que tenha simplesmente ido embora, ou ainda, me furtado.
Eu bem que poderia tentar descobrir o que houve de fato.
Bastaria voltar essa noite ao bar e tentar achar Rita. Mas devo confessar que temo um segundo encontro com ela... Melhor mesmo me trancar no quarto, besuntar todo corpo com caladril, e ficar imóvel fedendo a pus, esperando que a pele pare de arder.
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