3.6.05



LEI DE MURPHY - APRENDENDO COM AS DIFICULDADES


`` Jamais permitirei tornar-me tão importante, tão sábio, tão imponente e tão poderoso que esqueça de como rir de mim mesmo e do meu mundo``
OG MANDINO- O Maior Vendedor do Mundo

Festa de final de ano de uma grande indústria de calçados do Vale dos Sinos- sul do país. Muita cerveja, muito whisky escocês (o ano tinha sido bom) regados a pagode, conversas entusiasmadas, e a bunda da secretária da diretoria sendo disputada pelos olhares perscrutadores dos demais colegas.

Nilmar olhava aquilo tudo com um certo estranhamento, como se aquelas pessoas que estavam ali rindo e tentando manter uma conversação civilizada, não eram as mesmas com as quais dividia seus tediosos dias, e delas não dependesse a grande estrutura que ele ajudava a administrar tão bem. Não via a hora daquilo acabar logo, para tudo então voltar finalmente ao normal.

Prodígio administrador, Nilmar vinha pouco a pouco, galgando novas posições na empresa, aonde começara como auxiliar administrativo da contabilidade, e hoje já pleiteava a vaga de gerente de logística, outrora ocupada pelo saudoso Peixoto (que Deus o tenha).

Percorria invisível por todos os ajuntamentos. Num deles, contavam as mesmas piadas sem graça do ano passado. Noutro grupinho, alguém relatava as histórias de uma viagem IN-CRÍ-VEL para São José dos Ausentes. Seu desconforto se tornava crescente e para tentar amenizar aquela angústia, Nilmar bebia cerveja. Aproximou-se de um dos colegas e pensou em um comentário que seria bastante pertinente para aquele momento. Resolveu não arriscar, e optou pelo futebol:

- Augusto! Você ficou sabendo que o Grêmio vai contratar um novo ponta esquerda?

- Mesmo? Quem?

- Er...

Branco... Nilmar esqueceu o nome da contratação que ouviu pela manhã no rádio.

- Ãh... Puxa, esqueci o nome...

- Não tem importância.

Nervoso, Nilmar encheu mais um copo de cerveja. Não podia passar pelo constrangimento de ser o primeiro a sair. O primeiro a sair, é sempre alvo da mesma piadinha impertinente:

- Comandado!

- Que horas a mulher te mandou chegar em casa?

Ele não gostava daquilo. Sabia que muito embora não estando no real ambiente de trabalho, suas ações eram estudadas mesmo que de forma inconsciente pela diretoria. Precisava agora, só tomar cuidado e o cargo de gerente de logística certamente seria seu.

As cervejas que havia tomado, começavam a pesar e pressionar sua bexiga. Tinha que ir ao reservado. Porém no salão de festas havia apenas um banheiro, obrigando os necessitados a formarem uma constrangedora fila.
E lá ficou Nilmar, olhando para a porta. Quando finalmente se abriu, Nilmar notou que o diretor da empresa, doutor Saldanha havia se colocado atrás dele.

- Por obséquio doutor Saldanha... Eu lhe cedo a vez.

- Obrigado meu rapaz, mas pode ir.

Doutor Saldanha era um homem admirável. Justo, correto, até alguém lhe pisar nos calos... Aí então era um Deus nos acuda. Demitia sem pensar duas vezes.

Nilmar abriu a braguilha e começou a urinar. Repentinamente foi tomado pela sensação eminente que iria espirrar, sem ao menos ter tempo de segurar a urina ou tapar o nariz. Explodiu então, num gigantesco espirro, que decentralizou o jato de urina da patente, e se espalhou por todo o banheiro.

Nilmar havia mijado por tudo e o próximo a entrar no banheiro era o doutor Saldanha... Tinha que limpar aquele mijo rapidamente. Seu cargo de gerente de logística estava em jogo. Procurou pelo papel higiênico, mas o rolo estava vazio. O que fazer? Sair e reclamar para o doutor Saldanha do último que utilizou o banheiro? Ele certamente iria desconfiar, ou acabaria demitindo um pobre inocente.
Mau podia acreditar que tinha tudo em suas mãos, e um simples espirro inoportuno fez com que seu caminho fosse desviado.

Mas havia sim, uma saída... Abriu a porta, e lá estava o doutor Saldanha aguardando pacientemente. Saudou-o com um aceno de cabeça pensando em como estes cumprimentos particulares são despropositados. Quando ele entrou no banheiro impecavelmente limpo. Nilmar ainda avisou:

- Doutor Saldanha, não têm papel. Vou providenciar imediatamente...

Passou invisível pelos demais colegas para pegar o papel higiênico e jogar fora aquela toalha de rosto imunda, enrolada no seu tornozelo.


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Quinta feira que vem dia 09/06/05, tem lançamento na livraria Cultura do Bourbon Shopping de Porto Alegre dos livros Como no Céu e Livro de Visitas do Fabrício Carpinejar cujo link esta ai ao lado. Recomendo devéras, e aproveito para oferecer uma provinha:


COMO NO CÉU

As cartas de amor
deveriam ser fechadas
com a língua.
Beijadas antes de enviadas.
Sopradas. Respiradas.
O esforço do pulmão
capturado pelo envelope,
a letra tremendo
como uma pálpebra.
Não a cola isenta, neutra,
mas a espuma, a gentileza,
a gripe, o contágio.
Porque a saliva
acalma um machucado.

As cartas de amor
deveriam ser abertas
com os dentes.

Fabrício Carpinejar