7.11.04

Amor, merda, amor



Por Moacyr Scliar


Ao entrar no banheiro Alfeu nada mais pretendia do que repetir o ritual que datava já de três anos, desde a época em que, pela primeira vez, encontrara Ofélia. Um ritual só possível graças ao fato de que, no modesto escritório em que trabalhavam, o banheiro era de uso comum- e, feliz coincidência, regularmente freqüentado pela bela, que ali realizava sua sagrada exoneração matinal. Eram minutos de intensa expectativa para Alfeu. Trêmulo, mal contendo a ansiedade, ele ficava à espera, o coração batendo forte. Finalmente, ouvia-se o ruído da descarga e uns instantes depois, Ofélia saia, ajeitando-se, e com ar evidentemente prazenteiro. Contendo-se, Alfeu aguardava um prudente quarto de hora - mas fazia-o rezando para que ninguém tivesse a idéia de usar a privada - e então entrava. Fechava a porta, ajoelhava-se no chão e, suspirando de gozo, encostava o rosto no plástico que guarnecia o vaso e no qual sentia, ou imaginava sentir, o calor da pele da amada. Sim, estava apaixonado; mas, tímido, jamais externaria seus sentimentos. O seu segredo ficaria para sempre encerrado entre as quatro paredes do W.C.
Naquela terça-feira, porém, uma desagradável surpresa lhe estava reservada. Surpresa que, contudo, ele poderia ter antecipado da reclamação que Ofélia, em tom azedo, fizera ao chefe: pô, seu Ernesto, o vaso está entupido, vê se dá um jeito. Mas entupido ou não, a Alfeu pouco importava: esperou o tempo de costume e então entrou no banheiro. E o que viu dentro do vaso mudou instantaneamente sua vida.
Fezes, naturalmente. O que mais poderia haver ali? Fezes. Mas é que, ao atento e apaixonado observador que era Alfeu, um detalhe não passou despercebido. Eram dois cagalhões. Melhor dito: um cagalhão - enorme, perfeitamente cilíndrico, marrom claro- e um ( à falta de denominação melhor) fragmento: bem menor, bem mais escuro, a extremidade irregular indicando uma obra não bem completada. Não provinham do mesmo intestino, aquelas fezes. Não bastassem as diferenças entre eles, havia ainda uma outra peculiaridade: no fragmento maior havia restos de feijão. Ora, a aversão de Ofélia ao feijão era bem conhecida, e até objeto de graçolas no escritório. Quem gostava de feijão, quem traçava imensas feijoadas, com paio, torresmo, farofa, quem era comedor de feijão era o Guilherme, o grandalhão Guilherme, o antipático Guilherme, o Guilherme que jamais perdia a oportunidade de dirigir uma piadinha a Ofélia: um dia vou comer você como sobremesa de uma feijoada. Ela protestava, mas o protesto era fingido, era uma farsa, como ele agora constatava. Guilherme estivera no banheiro antes de Ofélia ( isto era uma coisa que Alfeu não podia garantir- naquela manhã, infelizmente atrasara-se - mas podia, com toda a segurança, supor). E logo depois entrara Ofélia. Por quê? Urgente apelo das vísceras? Não. Entrara exatamente porque Guilherme saíra. Entrara para cumprir, ela também o ritual, para encostar o rosto no plástico e para gemer, amor, amor. Ofélia estava apaixonada pelo asqueroso Guilherme. Tão apaixonada que deixara aquele fragmento para fazer companhia à obra do grandalhão. Subitamente enfurecido, Alfeu deu a descarga. O vaso instantaneamente encheu-se de água, que subiu quase até a borda - momentos de apreensão, de terror, mesmo - depois, começou a descer lentamente : a canalização estava de fato entupida. O cagalhão e o fragmento continuavam ali, oscilando docemente na superfície; encontravam-se; repeliam-se, brejeiros, despudorados. E ele, o corno, ali, olhando. Traído pela merda, inerme. Nem afogar aquela imundice ele podia. A única vingança possível seria sepultar os traidores com a sua própria e monumental evacuação. Mas Alfeu sofria de prisão de ventre. Cagar era uma benção com a qual nem sempre podia contar. Silenciosamente, abriu a porta do banheiro, e sem olhar para ninguém, voltou à mesa de trabalho. Só não conseguiu conter a lágrima que, caindo sobre o livro-caixa, deixou uma mancha que jamais desapareceria.














Eu não ia proferir nenhuma opinião a respeito das tão exaustivamente comentadas eleições americanas, porém como não ouvi nenhuma abordagem parecida com o que penso, achei melhor me pronunciar.
Infelizmente o povo americano teve a chance de subir a bandeira branca da paz, contabilizar seus mortos e continuar com aquele papo furado de ``Terra da Liberdade`. Não quiseram... O Presidente Arbusto, com uma mãozinha de seu principal cabo eleitoral Bin Laden, garantiu mais quatro anos de uma administração tão perigosa quanto desastrada.
Certamente é uma incoerência absurda votar em Bush acreditando que ele esteja melhor preparado para lutar contra o terror. O cargo de xerife do mundo, vem com certas inconveniências assim como qualquer outro cargo de chefia, ou como canta o grupo Titã ``polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia``. E o mundo já esta grandinho o bastante, não precisa de polícia.
Façamos uma analogia. Se você pular a cerca do seu vizinho, comer sua mulher, pegar sua televisão e ainda fazer coco no meio da sala dele, certamente o cara não vai gostar muito. Mesmo que você seja professor de Jiu-jitsu, uma hora seu vizinho vai aprontar alguma com você.
Bush já provou ser um péssimo administrador. Como não consegue sustentar o império americano em declínio, resolveu saquear países, mercados estrangeiros e a natureza, com conivência da ONU e de seus covardes aliados. E foi isso que a maioria do povo americano e seus representantes escolheram. Um cowboy déspota que numa era em que todos tentam criar uma consciência mundial e evolutiva, só olha para o próprio umbigo.
Realmente, preferiram cuspir na cara do mundo e bradar um sonoro Fuck You !

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1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Concordo com o amigo!! Viva Zapatta!!

10:07 AM  

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