28.9.04

Trópico de Câncer

Tropico

Como diria um verdadeiro imediatista, acabei de acabar de ler, o acima referido romance de Henry Miller que há tempos estava na espera na minha estante.
Para quem ainda não teve a oportunidade de ler, Trópico de Câncer trata sobre a estada do autor nos idos de 30, numa Paris repleta de prostíbulos, fome, amizades etéreas e doenças venéreas.
O livro as vezes cansa, devido ao palavrório desenfreado e poético do autor, que exemplifico:

``A terra em seus escuros corredores conhece meu passo, sente um pé em movimento, uma asa que se agita, um arquejo e um tremor. Ouço o saber ser alvo de caçoada e irrisão, as figuras subindo, sujeira de morcego gotejando do alto e movendo-se com asas douradas de papelão: ouço os trens colidindo, as correntes retinindo, as locomotivas resfolegando, roncando, fungando, fumegando e mijando.``

...Mijando? Mas também, o livro agracia o leitor com pérolas como a que transcrevo:

`` Uma das coisas que você precisa evitar quando trabalha à noite é fugir ao seu método; se não vai para a cama antes que os pássaros comecem a gritar, é absolutamente inútil ir para a cama. Esta manhã, nada tendo a fazer de melhor, visitei o Jardin des Plantes. Há ali maravilhoso pelicanos de Chapultepec e pavões de leques tachonados que fitam olhos estúpidos na gente. De repente começou a chover.
Voltando a Montparnasse no ônibus notei à minha frente uma mulherzinha francesa que se sentava muito rija e ereta, dando a impressão de estar se preparando para alisar suas plumas. Sentava-se na beirada do banco, como se tivesse medo de amassar seu deslumbrante rabo. Maravilhoso, pensei, se de repente ela se sacudisse e de seu derrière saltasse aberto um enorme leque tachonado com longas plumas.
No café de l´Avenue, onde me detenho para comer alguma coisa, uma mulher de barriga inchada procura interessar-me por seu estado. Gostaria que eu fosse a um quarto com ela e passasse uma ou duas horas. É a primeira vez que uma mulher grávida me faz uma proposta: estou quase tentado a experimentar. Logo que o bebê nascer e for entregue às autoridades, voltará a seu ofício, diz ela. Confecciona chapéus. Observando que meu interesse vai desaparecendo toma-me a mão e coloca-a sobre seu abdome. Sinto algo mexendo dentro. Isso me tira o apetite.``

O livro, um dos primeiros do autor, foi lançado nos EUA em 1934 sendo proibido e considerado um ``Romance Maldito``. As passagens eróticas ainda são capazes de chocar os pobres desajustados deste novo século. E retratam o início do desapego do autor à uma vida predecessora, em pról da posteridade literaria.

Agora de sobremesa, vou degustar um pocket book com contos do Nelson Rodrigues. É necessário reunir forças para encarar os 2 imensos exemplares das Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos, que há tempos estão me observando de forma opressora na estante do quarto de leitura.

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